K Y L E R I S M

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sábado, janeiro 7

Tu disseste


Tu disseste “quero saborear o infinito“
Eu disse “a frescura das maçãs matinais revela-nos segredos insondáveis”
Tu disseste “sentir a aragem que balança os dependurados”
Eu disse “é o medo o que nos vem acariciar”
Tu disseste “eu também já tive medo. Muito medo. Recusava-me a abrir a janela, a transpor o limiar da porta”
Eu disse “acabamos a gostar do medo, do arrepio que nos suspende a fala”
Tu disseste “um dia fiquei sem nada. Um mundo inteiro por descobrir”
Eu disse “...”

Eu disse “o que é que isso interessa?”
Tu disseste “...nada”

Tu disseste “agora procuro o desígnio da vida. Às vezes penso encontra-lo num bater de asas, num murmúrio trazido pelo vento, no piscar de um néon. Escrevo páginas e páginas a tentar formaliza-lo. Depois queimo tudo e prossigo a minha busca”
Eu disse “eu não faço nada. Fico horas a olhar para uma mancha na parede”
Tu disseste “e nunca sentiste a mancha a alastrar, as suas formas num palpitar quase imperceptível?”
Eu disse “não. A mancha continua no mesmo sitio, eu continuo a olhar para ela e não se passa nada”
Tu disseste “e no entanto a mancha alastra e toma conta de ti. Liberta-te do corpo. Tu é que não vês”
Eu disse ”o que é que isso interessa?”
Tu disseste “...nada”

Eu disse “o que é que isso interessa?”
Tu disseste “...nada”







Adolfo Luxúria Canibal/ Miguel Pedro

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